sexta-feira, 28 de maio de 2010

O Diário do Caminho : 1º Dia, 19 de Abril, Saint-Jean-Pied-de-Port – Roncesvalles (o inicio)



A alvorada ocorreu às 06h00 da manhã, era importante começar cedo para chegarmos cedo, sempre teríamos mais tempo para organizar as coisas para o dia seguinte, para conhecer os locais e, acima de tudo, para descansar. Após um pequeno-almoço muito completo, mochilas às costas e lá nos fomos encaminhando para a Rue d’Espagne até à mítica Porte d’Espagne, a porta aberta para o Caminho Real Francês de Santiago, a porta de todos os sonhos, a porta que tantas vezes tinha preenchido o nosso imaginário estava, finalmente, ali à espera que a franqueássemos e começássemos a palmilhar os quase 800 km até à tumba do Apostolo Santiago Maior! Pedimos a uma senhora que nos tirasse uma foto de grupo à partida e, após as nossas saudações mútuas da praxe de “Bom Caminho”, iniciávamos oficialmente a travessia do Caminho Francês, eram 07h00!


Bastou dar os primeiros passos e contemplar as primeiras paisagens para que, todo aquele nervoso miudinho e ansiedade, desaparecessem num ápice! Os 5 km iniciais até Huntto e os 3 imediatamente a seguir até Orisson (último refúgio em solo francês), são de facto terríveis para quem não está habituado a subir, um verdadeiro frente a frente entre o Homem e a Montanha! Eu francamente confesso que prefiro subir a descer e aprendi, ao longo dos últimos 10 anos, algumas técnicas que me ajudam quer a subir quer a descer, mas reconheço que, para o pessoal que não esteja muito rotinado com este tipo de actividade, não seja tarefa fácil, por isso o melhor mesmo é cada um subir ao seu ritmo, até porque trata-se de uma caminhada e não de uma corrida! E também era bom não esquecer que pela frente tínhamos quase 22 km a subir Pirenéus acima, pelo que seria de bom senso gerir muito o bem o esforço e tirar partido da fantástica paisagem que nos rodeava! Por nós passou, um pouco antes do começo da subida, o primeiro peregrino, um belga de nome André e que levava uma passada considerável, era o início e estava tudo muito fresco (ainda…)!


Cumpridos os 8 km iniciais (os mais duros a meu ver…) efectuámos uma primeira paragem para descanso e reabastecimento no Albergue de Orisson que tinha bar e esplanada com uma vista esplendorosa. Comprámos uma garrafa de “rouge” para regar os nossos “comes”, ainda trazidos de Nisa: empadas, queijo e lombo! Pararam também neste Refugio os primeiros 2 ciclistas do Caminho e pasmem-se, portugueses do Porto! O mundo é mesmo pequeno! Aqui conhecemos também a primeira peregrina, a brasileira Cristiane (a Cris) que nos tirou uma foto de grupo com os ciclistas portugueses. Disse-nos que tinha até 8 de Maio para fazer o Caminho, não seria tarefa fácil, mas como ela é maratonista…!

Após o conforto do corpo e da alma, lá continuámos Pirenéus acima rumo à Virgem de Orisson (ou Virgem de Biakorri), que se ergue imponente no alto de uma rocha a 1.095 metros de altitude. Neste local conhecemos um espanhol (basco) de Vitória. Junto ao Cruzeiro do Monte Leizar-Atheca, a 1.409 m de altitude, tirámos algumas fotos junto à placa de madeira que indicava o caminho para Roncesvalles, “Roncevaux-Orreaga”, em francês e em basco, pois então! Efectuámos uma breve paragem um pouco mais à frente devido a uma indisposição do Castro, provocada por uma laranja, mas a coisa melhorou e lá continuámos. À medida que se aproximávamos da cota de maior altitude, as subidas começavam a ser mais suaves e menos prolongadas, apanhámos também alguma neve nas zonas mais altas e mais sombrias. Após passagem pelo Collado Bertantea (1.344 m de altitude), no meio de uma zona de bosque alcançamos uma placa em pedra com a designação “Saint Jacques de Compostelle 765 kms”, uma distância de respeito! Mais à frente efectuámos nova paragem num local memorável: na Fonte de Roland, com uma água de excelente qualidade e muito fresca, erigida neste local talvez em homenagem ao Conde Rolando, sobrinho de Carlos Magno, que morreu junto aos seus homens durante a batalha de Roncesvalles contra os sarracenos, em 15 de Agosto de 778. Local aprazível para descansar e comer mais qualquer coisa, enquanto trocámos algumas impressões com peregrinos que iam passando. Aqui encontrámos também um curioso grupo de 4 franceses, 1 deles com uma mochila que pesava 14 kg!? (e eu preocupado com a minha de 8…), que andavam a fazer uma travessia pelos Pirenéus, costumavam juntar-se de vez quando para fazerem tiradas a pé de 8 dias seguidos.



Retomámos o Caminho e soubemos por um peregrino espanhol que as coutadas de caça à nossa direita já eram território espanhol, mas a fronteira foi transposta, um pouco mais adiante, junto a um marco de pedra que assinalava a entrada na província da Navarra (com a inscrição também em basco: Nafarroa). Outra breve pausa higiénica junto a um abrigo de montanha, muito bem equipado com lareira fechada e lenha quanto baste, não fosse o tempo pregar das tais partidas não muito agradáveis, especialmente, quando se anda em montanha. E eis que aos 21,5 km desta etapa, quase sempre a subir, alcançávamos finalmente a cota mais alta do dia: o Collado Lepoeder, a 1.430 m de altitude! Registámos o momento em foto, como não poderia deixar de ser e preparamo-nos então para descer os 4 km finais até Roncesvalles. Não descemos pelo troço principal que seguia bosque abaixo, por estar em demasiado mau estado e não oferecer condições de segurança, respeitámos as indicações no local e descemos por trilho alternativo e digo que em boa hora o fizemos, porque, mal iniciámos a descida, começou a chover e só parou com a nossa chegada às imediações de Roncesvalles. Chegámos às 16h45 e registámo-nos no Albergue da Colegiata, muito grande e bem equipado, com máquina de lavar e secar e internet. Este albergue tinha muita gente porque muitos começavam o Caminho em Roncesvalles, para fugir à dureza da 1ª etapa. Voltámos e encontrar a Cris que também ficou neste Albergue e penso que o André também.


Uma etapa dura e decisiva para encarar todas as restantes com mais confiança, 21,5 km a subir, 1.280 metros de desnível acumulado e cerca de 4 km de descida acentuada. O Delfino acusou de inicio a dureza dos primeiros km mas, pouco a pouco, foi ganhando confiança e com calma conseguiu também alcançar o objectivo do dia. Após um banho revigorante e algum descanso, fomos ver o que nos ditavam os “menus do peregrino” e, após alguma reflexão temperada com as primeiras “canhas”, optámos por trutas, especialidade desta zona, como já anteriormente tinha feito menção. Uma vista de olhos rápida pela internet e às 22h00 era tempo de recolher para uma merecida noite de sono, qual “poção mágica” para recarregar baterias para a continuação da nossa odisseia que ainda agora estava no começo!


Texto: Sérgio Cebola
Fotos:
1 – Porte d’Espagne, Saint-Jean-Pied-de-Port
(António Pimpão)
2 – André, peregrino belga
3 – Ciclistas portugueses (do Porto), junto ao Albergue de Orisson
4 – Virgem de Biakorri
5 – Perspectiva dos Pirenéus
6 – Junto ao Cruzeiro do Monte Leizar-Atheca
7 e 8 - Collado Bertantea
9 – Fronteira França/Espanha (inicio da Província da Navarra)
10 – Collado Lepoeder (António Delfino)

1 comentário:

  1. Olá Companheiros!
    Fiquei muito contente em saber que conseguiram alcançar esse enorme feito, o caminho frances de Santiago.
    O primeiro dia foi de facto o mais duro e recordo-me muito bem de voçes conseguirem andar a pé quase mais depressa do que nós a andar de bike!

    http://manc-acaminhodesantiago.blogspot.com/

    Deixo-vos aqui o relato do nosso caminho e espero que gostem, tal como estou a adorar ler o vosso!

    Ultreia!

    ResponderEliminar